Você sabe o que está financiando quando paga seus impostos?

24/03/2025

Entre a teoria da justiça fiscal e a realidade da frustração cotidiana, há um abismo que precisa ser enfrentado com coragem — e lucidez.

A tributação é, desde os primórdios das civilizações organizadas, uma das expressões mais complexas do pacto entre Estado e sociedade.

Não se trata apenas de uma equação contábil ou de uma imposição legal.

O tributo é a espinha dorsal de qualquer projeto de nação.

É por meio dele que os sonhos coletivos ganham estrutura e que as promessas constitucionais se tornam — ou deveriam se tornar — realidade palpável.

No Brasil, no entanto, essa lógica parece ter se rompido.

A sensação predominante entre os contribuintes não é a de pertencimento a um pacto social eficiente, mas a de estarem submetidos a um sistema pesado, opaco e, muitas vezes, injusto.

A pergunta que não quer calar é: você sabe, de fato, o que
está financiando quando paga seus impostos?

A promessa constitucional: entre o ideal e o real

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º, estabelece como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais. Para viabilizar tais metas, o Estado se vale da arrecadação tributária — autorizada legalmente pelo art. 145 da mesma Carta, que disciplina os poderes de tributação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Mas será que esse poder tem sido exercido com responsabilidade?

O tributo, na teoria constitucional, deve expressar a solidariedade coletiva, a responsabilidade distributiva e a capacidade contributiva de cada indivíduo (art. 150, CF).

Em outras palavras: tributar deve ser um ato de justiça, e não de espoliação.

Contudo, ao olharmos para a realidade, percebemos um descompasso profundo entre o que a Constituição promete e o que a máquina pública entrega.

Arrecada-se como um país de primeiro mundo, vive-se como um país à margem

Estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) revelam que o Brasil figura entre as dez nações que mais arrecadam tributos proporcionalmente ao PIB.

Entretanto, no ranking de retorno em serviços públicos, o país ocupa posições constrangedoras.

A pergunta que ecoa é desconcertante: para onde está indo o dinheiro do cidadão?

A carga tributária brasileira ultrapassa os 33% do PIB — valor comparável ao de países escandinavos —, mas sem oferecer os mesmos padrões de saúde, educação, transporte ou segurança pública.

A resposta pode estar menos na arrecadação e mais na gestão — ou na má gestão — dos recursos públicos.

Se o imposto é a semente, o serviço público deveria ser o fruto. Mas o que vemos é uma terra árida, onde poucos colhem — e muitos apenas pagam.

O muro invisível da opacidade institucional

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) e a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) garantem, ao menos em tese, transparência na gestão fiscal e acesso a dados públicos.

Na prática, contudo, essas ferramentas são subutilizadas, fragmentadas e tecnicamente inacessíveis ao cidadão médio.

O Estado cobra com rigor, mas explica com desdém.

A linguagem dos portais de transparência mais parece um dialeto cifrado, compreensível apenas por especialistas.

O resultado é a perpetuação de uma cultura de ignorância fiscal — silenciosa, mas profundamente eficaz para manter o status quo.

Pagamos, mas não decidimos. Contribuímos, mas não compreendemos. Sustentamos, mas não participamos.

Quando o Direito Tributário encontra a cidadania

O art. 3º do Código Tributário Nacional define o tributo como "prestação pecuniária compulsória, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". No entanto, esse conceito técnico precisa ser ressignificado à luz da função social do tributo, defendida por doutrinadores como Ricardo Lobo Torres, Paulo de Barros Carvalho e Roque Carrazza.

Não basta arrecadar com legalidade — é preciso arrecadar com legitimidade, com eficiência, com sentido.

O jurista tributarista, nesse cenário, não pode limitar-se a ser um tradutor de leis ou defensor de teses. Ele deve ser um intérprete das angústias sociais, um elo de reconexão entre a sociedade civil e os fundamentos constitucionais da justiça fiscal.

A consciência fiscal como ato de resistência civilizatória

Num ambiente de descrença e saturação, cultivar a consciência fiscal é um ato de resistência.

Resistência contra a banalização da carga tributária. Contra a naturalização do desvio de finalidade. Contra o conformismo que faz o cidadão pagar e se calar.

O art. 1º, parágrafo único, da Constituição é claro: "todo poder emana do povo". Mas, para que esse poder se materialize, é necessário que o povo compreenda os caminhos por onde o dinheiro público flui — e se perde.

O cidadão não pode mais ser apenas um pagador passivo. Ele precisa ser um fiscalizador ativo, um cobrador consciente e um participante legítimo do destino do erário.

Conclusão: o que você está financiando?

Reformular essa pergunta — e buscar respondê-la com honestidade intelectual — é o primeiro passo para mudar o paradigma tributário brasileiro.

Você está financiando o quê?

A manutenção de privilégios?

A perpetuação da desigualdade?

Ou a construção de uma sociedade melhor para todos?

Se a resposta for incômoda, talvez esse seja o sinal de que algo precisa — e pode — mudar.

E a mudança começa por onde tudo se sustenta: a tributação.

É tempo de resgatar o verdadeiro propósito dos impostos.

Não como instrumentos de submissão, mas como ferramentas de transformação.

Referências jurídicas e institucionais

  • Constituição Federal de 1988: arts. 1º, 3º, 145, 150

  • Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966): art. 3º

  • Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal): art. 48

  • Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação)

  • Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT

  • Doutrina: Ricardo Lobo Torres, Paulo de Barros Carvalho, Roque Carrazza, Misabel Derzi


Comunicação Social
Rede Nacional de Advogados Tributários – RENAT
Fone: (61) 98678-4193
Site: renat.com.br
Instagram: @redetributaria